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Sobre as pequenas felicidades possíveis, escolhas e presença…

O PARTO DO GABRIEL

Hoje faz 39 anos que fui “inaugurada” como mãe. A maternidade é algo desafiador; sei que muitas mulheres e seus filhos não têm boas experiências com isso, mas para mim foi um caminho de prática do amor, autoconhecimento e perseverança na saúde mental; errando, acertando — a maior parte do tempo meio a meio, porque a gente erra tentando acertar. Acho que isso importa. Mas não é sobre isso o que quero contar — porque sou contadora de histórias — é sobre a minha “inauguração” com o Gabriel e sobre lembrar, porque todos os aniversários dos meus filhos eu faço um exercício de lembrar como foi o parto deles, então hoje é a 38ª relembrança, já que ele faz 39 anos. E foi assim…

Eu tinha 20 anos e fazia o curso de Edificações no CEFET-RJ. Naquele dia eu tinha aula o dia todo e, de manhã, era aula de desenho técnico e nos sentávamos frente a grandes pranchetas. Quer dizer, eu não, por causa da barriga me equilibrava com um pé na trave da prancheta e o outro na trave do banco, descansando de vez em quando sobre o mesmo. Daí, de vez em quando vinha uma dorzinha leve na barriga, uma pontadinha e ela ficava dura, mas eu, na minha ingenuidade, achava que era vontade de fazer xixi. Lembro que uma colega passou e achamos engraçada a barriga daquele jeito. O dia todo foi aquilo e acabei matando as últimas aulas indo pra casa mais cedo.

À noite, lá pelas 20h, estava querendo fazer supermercado para casa, mas pensei bem e liguei para a Ana Christina, minha amiga e madrinha do Gabriel, a fim de marcar a compra para o dia seguinte. Falei sobre as pontadinhas, mas durante a conversa veio uma pontada mais forte e percebi a barriga bem dura. Desliguei o telefone, peguei o livro que tinha sobre gravidez e explicava a evolução semana a semana. Fui lá conferir o que estava escrito sobre as contrações e aquilo batia, mas estávamos ainda com 36 semanas! Falei com o Fernando e ficamos numa conversa será-que-é-ou-não-é, se a gente avisava alguém ou não. Venceu não avisar, esperar até o dia seguinte e foi o que fizemos.

Dormi mais ou menos, porque dormia e acordava com as contrações que ainda não estavam muito perto umas das outras. Levantei cedinho, seis e pouco, teimando com o Fernando, porque não queria avisar ninguém para “não preocupar”. Queria ir para a médica sozinha! Venceu o bom senso e o argumento dele: A sua mãe já teve três filhos. Liguei, a mamãe ficou em polvorosa, contatou a ginecologista, fomos para o consultório de taxi e eu acalmando a minha mãe! Afinal, ainda podia não ser.

Consulta, exame e a médica disse que ainda não era, mas que eu devia ficar na sala de espera por algum tempo para fazer novo exame dali um tempo. O consultório lotado, a mulherada espantada com a minha calma e eu só pensando que tudo bem — eu só ia parir. Não entendia o alvoroço. Contração aqui e ali, respiração, porque naquela época a gente fazia respiração cachorrinho e, de repente, eu senti um “xixizinho”. Ops! Fui ao banheiro e não era xixi… a bolsa tinha estourado. Nesse momento as dores começaram a intensificar, ficar mais perto, novo exame e o veredicto: Maternidade!

Preciso rir, porque todo mundo estava uma pilha em volta de mim e eu, tirando as contrações e as respirações, continuava na minha — estava SÓ parindo. Lembro que ao sair do consultório para entrar no elevador, minha mãe e mais alguém queriam pegar no meu braço, pra me ajudar naturalmente, e eu irritada disse: Me larga, não estou doente, posso andar sozinha! E era isso mesmo, eu não me sentia frágil ou precisando de ajuda; eu estava vivendo intensamente a experiência de parir!

Demos entrada na maternidade às 11h e daí tudo foi confuso para mim, porque me senti tratada como um pacote — põe para aqui, tira dali — sem que eu pudesse opinar sobre o que eu queria, como não tomar soro para acelerar o parto e anestesia. Achei o fim da picada o obstetra brincar de joguinho de relógio ( não tinha videogame ) no quarto, encostado na minha cama, enquanto eu me concentrava nas respirações. Veio o anestesista e tacou a peridural!

No quarto estavam papai e Tia Léa, que tinham trazido a bolsa com as roupinha do nenê, porque naquele tempo fazer ultrassom era um luxo, embora eu tivesse a absoluta certeza de que era um menino. Papai saiu pra almoçar. Era 12h50; então veio alguém, me examinou, me colocaram numa maca, me levaram pra sala de parto, uma mulher me apertou a barriga me atrapalhando muito a respirar! Eu não via nada com aquele monte de pano. Fiz força e neném saiu às 13h. Foi rápido… Mas não o mostraram para mim! Eu não vi o meu bebê! Sabem o que é isso?! Depois demorou mais tempo costurando a episiotomia que o parto.

Voltei para o quarto; me depositaram lá de novo, cansada e frustrada. Mas uma coisa foi bem engraçada, porque papai chegou sem saber de nada e eu disse: Já nasceu. Só me lembro dele me beijando e me agarrando, felicíssimo e espantado com a rapidez de tudo, e eu só querendo descansar, apesar da tremedeira que dava por causa da peridural. Por fim dormi. Quando acordei, o Fernando estava lá e perguntei sobre o bebê — ainda sem nome — e ele disse: Parece um Deus asteca!

Acho que foi no fim da tarde ou à noitinha que o conheci; o bebê mais lindo do mundo! Num pacotinho de manta branca e casaquinho amarelo, que minha avó Zuleica fez de crochê-filê. Veio pra mamar e mamou! Eu já tinha colostro no fim da gravidez e, misericórdia, parecia que meu seio ia arrebentar naquela hora. Logo depois foi quando Fernando e eu resolvemos escolher o nome, porque a gente tinha combinado que ia primeiro ver a carinha… Eu quis Francisco, por causa do dia de São Francisco, mas o pai disse que já tinha muito Francisco na família e ia ser mais um; então ficou Gabriel, porque tinha cara de anjo e não erramos.

Filhote, eu não sou muito boa de presentear com coisas, nunca fui porque não entendo bem essa relação coisa-gente e porque pra mim presente é presença. “Pensentindo” assim, esse é o meu presente para vc. Te amo!

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Ana de Araujo_Inã Vivá Teceberaba

Criativa, curiosa e inventadeira, adoro escrever, desenhar, contar histórias, brincar, dançar, estar em roda, prosear, pensar “como seria se…” e um bom desafio