DIÁRIO DE UM PASSADO NÃO TÃO DISTANTE — Ana de Araujo_Inã

Escritos sobre o meu processo na busca de saúde mental-emocional-afetiva-espiritual

MULHER BOMBA (1)

Possivelmente já faz uns dois anos e um pouquinho que veio a ideia — escrever sobre o meu processo de saúde e não-saúde mental, emocional, afetiva e espiritual, e como tudo isso se liga. A motivação atual veio do fato de ter acontecido uma pequena recaída na codependência — especificamente a dependência afetiva — e a volta ao estado de insanidade temporária. Porém sinto que estou muito mais forte agora, treinada a voltar mais rapidamente ao equilíbrio, bioquímico, inclusive. Mesmo que sem garantia…

A codependência — esse termo infeliz, que mais confunde do que ajuda a esclarecer a que se refere — é um transtorno de difícil explicação e compreensão; assim parece-me ainda, talvez mesmo pela palavra “codependência”: “Co” + “dependência”. Dependência do que? Compartilhar a dependência do que e com quem?

Dra. Elizabeth Zamerul*, afirma que é um transtorno de personalidade. Eu, apenas uma humilde investigadora de mim mesma, dos meus processos mentais e estruturas da psique, tendo a concordar com ela. Sim, me parece um transtorno de personalidade, porque é uma forma de funcionamento disfuncional. “Funcionamento disfuncional”… Só aqui tem pano pra manga!

E como eu funciono em estado codependente? Como uma extensão do outro; um marionete que movimenta-se a partir do “movimento” que o “titereiro” faz, até ao ponto que não será mais preciso o outro movimentar-se para que eu esteja compulsivamente e obsessivamente em alerta para antecipar qualquer movimento. O corpo em estado de hipervigilância! É emocionalmente exaustivo. É bioquimicamente exaustivo!

Preciso de disciplina e tempo para voltar a um estado de equilíbrio emocional-bioquimico e sair da hipervigilância. Eu tenho um “kit de sobrevivência” para essas emergências emocionais — que podem se bem mais leves até, semelhantes a arranhões ou pequenos tombos, mas dessa vez me senti arrastada por uma torrente grossa que me desenraizou. O ideal é percorrer quase cotidianamente o kit, incorporando-o às rotinas de cuidado e não me afastar muito, mas… sempre existe e resiste ao fundo um pensamento mágico (cada vez menos, é verdade!) de que “um dia vou estar curada e viver normal como os outros”. Sei que isso me atrapalha e acabo me descuidando, ainda mais quando passo por períodos mais longos quando “tudo” está “bem”.

Sobre ser “normal”… rsrs… como é irritante ouvir que “de perto ninguém é normal”, que “ser normal é chato, desinteressante, etc”, “que vivemos numa normose e por isso ser normal é doentio”, “mas afinal o que é ser normal?”. SIM, eu gostaria de ser normal!

Eu gostaria de não precisar investir grande parte do meu tempo em cuidados paliativos a fim de que eu não surte, não pire, assim como não precise tomar muito remédio. Eu gostaria de poder ter vivido uma vida funcional de trabalho mais tranquila e produtiva e poder estar aposentada agora. Eu gostaria de pensar que seria possível ter um companheiro que acolhesse minha diversidade, me amando como sou. Eu gostaria de não precisar aprofundar tanto nos porquês e na “origem do fermento” da minha insanidade e usar o meu tempo para outras coisas. Eu gostaria de ter uma vida familiar “margarina” ou, pelo menos, não ter ficado décadas escondendo minha condição de falta de saúde mental por medo. Eu gostaria de não precisar ouvir “mas vc não parece que tem problemas mentais”. Eu gostaria de ser normal e não ter precisado levar mais de 50 anos para saber quem sou; mais que isso, precisar estruturar uma personalidade, um ego funcional que me permita viver sem estar permanentemente num mar revolto incontrolável ou andando à beira de abismos emocionais.

A verdade é que às vezes essa dedicação cansa muito e é chato ser “tão responsável por mim mesma”; dá vontade de enfiar o pé no balde e desistir! Como agora nesse último mês de recaída, mas… AINDA não desisti. E acho mesmo que não vou desistir. Já cheguei até aqui e gosto de como me cheguei, não importando mesmo se, nesse momento, o meu “sofrimento” é a falta de validação que percebo dos meus filhos (principalmente) do grau de conhecimento geral sobre saúde mental que acabei desenvolvendo nesse processo. Sofrimento entre aspas tirando um “sarro” de mim mesma, porque não estou sofrendo, embora doa sim! Entretanto sei que essa dor é “ilegítima”, posto que é a codependência se manifestando em UMA das suas faces: A dependência afetiva.

Eu queria sim que eles reconhecessem e, além, pudessem “utilizar dos meus conhecimentos” para abreviarem suas próprias dores. Cognitivamente, eu sei que mesmo sendo possível, não é provável! São meus filhos (isso tem muitas implicações e desdobramentos); eu os vejo, percebo suas dores e compreendo que cada um vai viver o próprio caminho de cura. Porém “entender com a cabeça” nada tem a ver com as minhas emoções viciadas, por isso sei que é a codependência falando mais alto, a estrutura defeituosa agindo porque:

1) Eu quero a validação “a todo custo” dos meus filhos, pois são as pessoas que mais importantes para mim e as que mais amo;

2) No transtorno de personalidade codependente não basta sentir-se ou saber-se amado! É preciso de validação externa, de “demonstrações” (infinitas e inesgotáveis) que validem o amor.

Aqui no caso eu quero “reconhecimento” do meu esforço pessoal em me manter mentalmente sã e do meu conhecimento sobre o assunto. Então quando eles me dizem que não querem que eu fale mais sobre “a repetição dos padrões codependentes familiares” porque já falei muito (sou “a chata do padrão”… rsrs… tô melhorando nisso!), que o que serviu para mim não serve para eles porque vão ter que resolver seus próprios traumas, ou quando acham que qualquer conversa sobre sentimentos e emoções, sobre a melhoria das relações familiares são “reunião de condomínio” e “terapia de grupo” — tudo isso, lá dentro de mim causa uma grande confusão, porque me sinto desesperada pelo amor deles! É como me dissessem: “A gente não te ama!”

Isso me causa uma grande confusão mental-emocional. Por emocional também quero dizer bioquímica. Emoções são bioquímica pura! O medo (atávico) de não ser amada, o meu senso de desvalor profundo são acionados em modo de funcionamento de “emergência” — alerta vermelho, alerta vermelho! Meu corpo reage com uma violenta alteração bioquímica — coração acelerado, respiração mais curta, musculatura tensa “pronta pra fugir”. Eu não sei o sinto; dentro de mim um torvelinho só — como se eu estivesse em um labirinto interminável tentando achar saída e sendo perseguida por algum monstro que irá me matar. Eu corro dentro de mim apavorada!

Os pensamentos “toscos” disparam num falatório desordenado e intenso, retroalimentando e colocando “combustível” no estado ansioso de confusão mental-emocional. O que chamo de pensamentos toscos são os pensamentos disfuncionais de desvalor e morte — meus “monstros cricri” — que vão repetir incessantemente coisas parecidas com: “Desista”, “Morra”, “Seria melhor acabar logo com tudo de uma vez”, “Some, larga tudo e vai embora sem olhar pra trás”, “Vai ser moradora de rua”, “Desista e seja louca de vez”. “Inútil, imprestável…”, etc. Não é fácil escrever sobre; desnudar isso.

É uma bomba explodindo dentro de mim, que pode explodir repetidamente; repetidamente, repetidamente, repetidamente… Sou uma eterna mulher-bomba a me desarmar um dia de cada vez; só por hoje.

13 de fevereiro de 2022.

*Dra. Elizabeth Zamerul — psiquiatra e psicoterapeuta especialista em codependência. Tem site e um canal no Youtube muito bom, que tenho acompanhado desde 2017 (eu acho…) e super indico para quem precisa de ajuda. Tem um curso que ainda não pude fazer sobre a Cura da Criança Interior Ferida. O grande diferencial é que ela mesma é uma codependente em recuperação. É muito claro para mim quando o/a psiquiatra não entende de codependência e acha que é preciso estar convivendo um dependende (químico, alcoolista, etc ) para ser um codependente.

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Ana de Araujo_Inã Vivá Teceberaba

Criativa, curiosa e inventadeira, adoro escrever, desenhar, contar histórias, brincar, dançar, estar em roda, prosear, pensar “como seria se…” e um bom desafio